terça-feira, 1 de abril de 2008

Introdução

Este blog foi criado por mim para compliar duas extensas entrevistas com integrantes da banda Fellini, que julgo ser uma das mais importantes do rock independente nacional nos anos 1980. Em 1996, quando eu fazia parte da equipe da Rádio Onze, rádio livre ligada ao C. A. XI de agôsto da Faculdade de Direito-USP, procurei Cadão Volpato para uma entrevista. A mesma serviu de base para um especial de duas horas sobre a banda produzido por mim e veiculado no dia 13 de outubro do mesmo ano. Dois anos mais tarde tive a oportunidade de entrevistar Thomas Pappon com a mesma finalidade. Como o resultado ficou bom, decidi editar uma versão em texto, que coloquei em um site tosco ligado à emissora. Não lembro a data exata, mas tudo se deu entre os anos de 1999 e 2000. Resolvi apagar esse site e agora trago o conteúdo para este blog.

Sei de muitos coleguinhas que usaram as informações contidas nas duas entrevistas como base para redigirem seus textos ou então elaborar novas entrevistas. Alguns assumiram isso e até me agradeçeram, outros não. Mas tudo bem. São coisas da profissão. E esse tipo de atitude vai da consciência de cada um. Quem quiser aproveitar do material que está aqui, pode ficar a vontade. Não tive paciência para uma edição agora, portanto o leitor mais atento pode encontrar algum erro. Prometo consertar com o tempo. Ah, sobre o título do blog, confesso que não consegui pensar em outro melhor. Boa leitura.

Cadão Volpato

P - Antes de entrar para a banda (fevereiro de 1984) você era revisor da revista Veja. Como era o trabalho por lá?

R - Era um emprego engraçado, eu trabalhava quarta, quinta e sexta de madrugada, isso no tempo em que a revisão era a única coisa computadorizada lá dentro. Então eu ficava enxergando aquelas letrinhas verdes até de manhã. Atravessava a noite trabalhando, mas tinha o sábado, o domingo, a segunda e a terça livres. Esse fato deve também ter ajudado na confecção da banda porque a gente podia ensaiar no sábado (risos). O que eu fazia era reler os textos e ver se tinha algo errado. Seria praticamente um copy-desk, mas os textos da Veja eram muito bons então a gente não tinha esse tipo de preocupação. Havia um outro serviço no qual se fazia um levantamento de todas as informações que eram veiculadas pela revista e a checagem delas. Um exemplo, o de Pedro Álvares Cabral. Era checado desde a grafia correta do nome dele até o dia exato em que ele descobriu o Brasil e se ele descobriu mesmo o Brasil, isso eu cheguei a fazer depois. Trabalhei quatro anos na Veja, o segundo trabalho que fiz lá foi checagem, depois fui repórter, mas na época do Fellini fazia revisão.

P - Como foi o processo de formação do Fellini?

R - O Thomas já tinha outras bandas, tocava bateria no Voluntários da Pátria e no Smack. Não sei se o Smack já existia, deve ter vindo alguns meses depois, mas a grande vontade do Thomas era tocar baixo. Ele me chamou e disse que queria montar uma banda na qual ele tocasse contrabaixo e que eu fizesse os vocais e todas as letras. Nessa época eu tinha uma pretensão literária, o Thomas sabia disso pela nossa amizade, e ele resolveu sugerir que as letras fossem compostas por mim. A gente se encontrou num bar ao lado do lugar onde eu morava com o Alex Antunes (jornalista e também letrista do Akira S.) e o Minho K., que já chegou a tocar no Fellini uma vez. Nesse bar nós estávamos conversando e perguntei que nome dariamos a banda. Ele respondeu: '’que tal um nome estranho?” Nessa época estava muito em voga os nomes mais deprês, mais darks, e nós queriamos sair um pouco disso. O Thomas disse que tinha pensado nuns nomes engraçados, tipo Fellini, por exemplo. Respondi que estava ótimo. Foi o primeiro nome e foi o que ficou. Então chamamos as outras pessoas que seriam o Jair Marcos, que já tocou comigo em outras ocasiões, mas assim uma coisinha muito de leve na minha primeira tentativa de fazer vocal, e o Ricardo, que tinha aparecido nessa primeira tentativa, mas depois tinha desaparecido em seguida. Achamos que eles podiam tocar na banda, mas ninguém tocava nada, e isso que é engraçado.

P - O primeiro show do Fellini foi no extinto bar Albergue. Onde ficava?

R - O bar ficava na Treze de Maio, no Bixiga. Aliás, ele foi soterrado pouco depois. Não tínhamos onde tocar e acabávamos nos lugares mais esquisitos. O primeiro show que a gente fez fazia parte de um triângulo de shows. Era a primeira apresentação da banda do Minho K. com o Alex Antunes, o Nº2, um projeto todo intelectual, bem legal por sinal. Havia uma outra banda, a do Walter de Silva cujo nome não vou lembrar, e o Fellini. A banda do Walter tocou, mas acabamos abrindo porque o Minho K. teve um desmaio de tanto beber e não pode se apresentar. Ninguém conseguia levanta-lo e eles não tocaram. Foi a primeira apresentação abortada do Nº2.

P - Qual foi a resposta do público?

R - Eu acho que as quinze pessoas que estavam lá fizeram “clap clap”...Sabe aqueles clap clap assim desritimados e “o próximo, por favor!"(risos). Foi uma reação absolutamente fria, não foi nada especial (risos). Para chegar nesse primeiro show a gente ensaiou, você nem imagina...(risos). O Ricardo não tocava bateria, o Thomas era o melhor instrumentista, junto com o Jair, mas ele estava começando no baixo, e eu cantar que era bom...(risos).

P - O primeiro disco, editado pela Baratos Afins saiu em 1985 pela Baratos Afins. Quase que não foi editado. Luiz Carlos Calanca teria relutado na primeira audição da fita, depois gostou. Como foi esse processo de negociação? Como se deram as gravações desse Lp?

R - A gente em 1985 quis lançar o primeiro disco. Era fundamental lançar alguma coisa, era importante registrar o que a gente estava fazendo porque tínhamos muitas musicas. Eu me lembro que a primeira coisa que o Thomas fez quando entramos em estúdio foi fazer um mapa dos canais. Gravamos em oito canais e cada um tinha uma coisa. Isso é trabalho de um produtor. O Thomas tinha pensando em incluir violoncello, e a gente colocou numa das músicas. Uma coisa que nos inspirou muito na época foi pensar na sonoridade do Seargent Peppers, do Beatles. Inclusive numa das músicas que é Funziona Senza Vapore chupamos um pedacinho do "Good Morning" que tem o galo cantando (Cadão imita o galo). Existem vários outros elementos engraçados e tudo isso foi pensando em fazer um disco que tivesse essa sonoridade estranha, esquisita. Nós pensávamos muito em Beatles nessa época. As gravações foram um barato, muito divertidas mesmo. Eu não me lembro o nome do estúdio, mas era numa travessa da avenida Sumaré, num lugar que tinha várias casinhas em seqüência. Antes disso só gravamos uma demo tape que serviu como base, mas o resultado final ficou bem diferente. Foi o primeiro momento em que a gente fincou o pé e disse 'pô, a gente é capaz de fazer'. E era uma coisa esquisitaça, partindo das letras. Tinha uma música toda cantada em alemão que era composição total do Thomas, uma das raras letras que ele fez. Chama-se "Zäune". As gravações foram muito legais. Você fala de um certo estranhamento do Calanca, mas ele apostou. Era um som muito esquisito, qualquer pessoa ficaria com um pé atrás. mas o Calanca foi lá e bancou.

P - Por que existe nos títulos dos dois primeiros LPs uma perspectiva do fim da banda? Isso foi intencional?

R- O nome "O Adeus de Fellini" surgiu exatamente por causa de um disco do Durutti Collumn chamado "The Return of Durutti Collumn" que é o primeiro disco desse projeto do qual eu gostava muito. O espírito deles era muito legal, aquela coisa trabalhada com bateria eletrônica, que foi uma coisa que a gente começou a usar depois, nos agradava muito. O título do disco era uma piada. Na verdade, partíamos sempre de um pressuposto entre o limite da piada e do nonsense. O Fellini não chegava a ser um Língua de Trapo e nem Os Mulheres Negras, que aliás são posteriores, eu acho, mas trabalhávamos sempre nesse limite do humor e para nós seria interessante o primeiro disco já ser um adeus. Acabamos ficando marcados por isso. Vira e mexe a gente estava falando que ia acabar e o espírito se confundiu, mas o nome é por causa do "The Return of Durutti Collumn" e fizemos o contrário: "O Adeus de Fellini".

8- Rock Europeu foi um hit. Eu queria que você fizesse um comentário dessa faixa que é a carro-chefe do repertório do Fellini, tocou em rádio...

R- Esse é nosso problema, essa faixa perseguiu a gente. Mudamos e começamos a fazer samba eletrônico. Íamos tocar e o público pedia "Rock Europeu!". Essa música é a cara de uma época, aquela levada meio New Order, que é bem característico do ano de 1985. Foi uma das primeiras músicas que compusemos. Lembro direitinho como foi o processo: o Thomas apareceu com uma linha de baixo, o Jair colocou uma linha de guitarra em cima e eu botei aquela letra... É engraçado porque chegamos a renegar essa música pelo fato de não ter nada a ver com o espírito que foi avançando no tempo. A letra falava sobre o que era o rock para a gente naquela época, um rock de sotaque inglês, era o rock inglês. Eu falava de coisas engraçadas, acabei citando o grupo alemão Fel Färben num trecho. Era um tipo de postura frente ao rock feito naquela época. Na verdade era uma postura diferente, queria sair do país.

P - No segundo disco, "Fellini só Vive Duas Vezes", Thomas e você ficaram com os instrumentos. Como é que ficou a divisão? Quem tocou o quê?

R - O "Fellini Só Vive duas vezes" foi gravado em quatro canais na sala de visitas da casa do Thomas, na rua Oscar Americano. Nosso método de composição era sempre assim: o Thomas vinha com uma linha de violão, o grupo se reunia e colocava alguma coisa ali. Eu colocava um vocal em cima, cantava, fazia a melodia e depois fazia a letra. Dessa vez, ficamos sozinhos, eu e o Thomas. A gente acabou o grupo durante uma época e depois retornou. O Ricardo tinha saído para se casar e o Jair não me lembro bem porque ele saiu. O Thomas apareceu e falou: “vamos gravar”. O nosso grande barato era ficar em estúdio experimentando. E o resultado é que esse é o meu disco predileto até hoje. Têm todo um trabalho das capas, eu que desenhei a capa. A cor azul eu tirei de um disco de R. E. M....

P - Vocês sempre trabalharam com cores diferentes na capa. O primeiro disco é verde, o segundo é azul, o terceiro é vermelho e o quarto é amarelo. Isso é intencional?

R - Totalmente intencional, não sei bem o porquê. Era só para diferenciar um do outro (risos).

P - Desse LP é tirado o primeiro clip: "Burros e Oceanos". Por que ele está fora de circulação? A MTV não poderia exibi-lo agora?

R - O Thunderbird (veejay da MTV) ficou me procurando um tempão para achar a cópia desse clip. A história é assim: eu tinha uma namorada e a prima dela trabalhava na Olhar Eletrônico (produtora do clip). Ela poderia usar o equipamento da Olhar para produzir um vídeo por conta e resolveu fazer um clip com o Fellini. Nós fizemos o vídeo e havia um concurso para se saber qual seria o melhor vídeo de São Paulo, não me lembro que concurso era. Só que para ser incluído nesse concurso, tinha de passar antes numa pré-seleção com os donos da Olhar. Um deles, que era um grisalho meio estúpido, disse que o clip não tinha nível para representar a produtora. Eu bati boca com esse cara na hora, isso é bem o meu estilo, diga-se de passagem, e disse 'você não sabe de nada...'. Mas o nosso vídeo acabou sendo classificado e o dele não passou nessa pré-seleção.

P - Grande parte da crítica especializada afrima que "Três Lugares Diferentes" é o melhor Lp do Fellini. Você concorda com isso?

R - O "Tres..." foi gravado em oito canais. Era um grande avanço, o dobro de canais que a gente usou no primeiro. (N. da R.: a ficha técnica do disco informa que as gravações foram feitas em quatro canais). O que eu acho que ele tem de positivo é o trabalho de percussão do Silvano Michelino, que hoje trabalha na França. O cara é muito bom. Ele deu uma vida para o que estávamos querendo. Misturamos isso com bateria eletrônica. Acho que esse disco concretiza a nossa experiência, mais do que o segundo, que era uma coisa intermediária, era a entrada do samba no nosso esquema, um samba com uma batida quebrada, esquisita. O que nos diferencia, eu acho, desses grupos que querem enfiar o samba por enfiar. Para nós, parecia uma coisa natural. Conseguimos cavar um jeito de interpretar que não existia.

P - Você poderia explicar os tapes falados incluídos em trechos de "Três Lugares Diferentes"?

R - Um, em alemão, é do Axel Sommerfeld. Ele mandou um tape para o Thomas no qual tinha uma gravação do programa do John Peel, um inglês que é um dos maiores disk-jockeys do mundo. E ele tocou "Outro Endereço, Outra Vida" na BBC Radio. Talvez o Axel tenha reproduzido essa fita com a música e a fala do John Peel no seu próprio programa de radio na Alemanha. A gravação que traz o John Peel anunciando "Outro Endereço, Outra Vida" está nesse disco também. Depois que essa música foi tocada na BBC, nós recebemos dez cartas da Inglaterra. Uma delas é de um presidiário dizendo que amava o som da gente. Enfim, recebemos dez cartas por conta de ter tocado uma única vez no programa do John Peel. Uma outra gravação é de um gaitista, o Sugar Blue. O Thomas como jornalista, trabalhando para Bizz, foi entrevista-lo e achou que era muito legal o que ele falava. 'Músca não é para banqueiros, música é um estado de alma...', dizia. Era uma declaração de princípios. Como a gente tinha entrado com gaita, então casou. E tinha uma gravação com o Osmar Santos. Nós fomos até o programa "Balancê" e ele tirou o maior sarro da nossa cara (risos).

P - Com a inesperada repercussão de "Três...", foi adiado o fim da banda. Havia um projeto de mandar demos para grandes gravadoras. Qual foi o retorno obtido?

R - Isso nunca deu em nada. Ninguém respondeu. Era burrice deles, talvez porque o som que se faz hoje é muito próximo disso. Se fossemos lançar um trabalho hoje, teríamos muito mais espaço. Era um som que é a cara de São Paulo. Uma coisa que me deixou confiante no que fazíamos foi quando a Per Lui, uma revista italiana de vanguarda, fez uma matéria com o Fellini. Eles achavam que a banda representava o espírito de São Paulo. Acho que estavam certos: um nome italiano, uma proposta cosmopolita urbana e uma mescla de samba eletrônico e que talvez passasse um pouco por Mutantes. Tinha muito disso.

P - Os integrantes dos Titãs não teriam gostado de declarações suas e do Thomas quando "Três Lugares Diferentes" conquistou o prêmio de melhor lançamento do ano, empatando com um disco dos próprios Titãs. Como é que foi essa polêmica?

R - Foi engraçado porque a gente saiu numa reportagem de capa do Caderno 2 naquela época e veio à minha boca o seguinte comentário: "Os Titãs são os alternativos oficiais". Os caras ficaram putésimos. Teve uma certa briguinha, mas depois nos encontramos em outras ocasiões. O problema é que na época, ouvi dizer, não posso te garantir, estávamos entrando em contato com a gravadora deles, a WEA, e parece que eles chegaram na orelha do Liminha (N. da R.: famoso produtor de discos) e nos limaram. Isso foi o que eu ouvi na época, mas não posso garantir porque não estava lá para ver. Esse tipo de coisa não é do feitio deles. O Belloto é gente fina, mas eles ficaram bravos.

P - Como foi a saída da Baratos Afins? Foi amigável?

R - Nós entramos de novo para gravar, começamos a trabalhar em novas composições e fomos buscar novas sonoridades. Achamos que não ia dar para lançar pela Baratos Afnis, não lembro por qual razão, mas a saída não foi amigável. O Luiz Calanca é um cara muito personalista...(pensa) Personalista não é a palavra... Eu acho que ele é muito gente fina, mas é um cara dado a pequenos rancores, como todo ser humano. Ele se sentiu meio abandonado pela gente, talvez estivesse com a razão. Eu sei que hoje em dia somos amigos de novo, conversamos sempre que é possível. Acho o Luiz uma simpatia, gente finíssima. Se ele não tivesse apostado no que fizemos...evidentemente que não ganhamos nada pelos discos, mas também não gastamos.

P - E o acerto com a Wop Bop, a gravadora que lançou "Amor Louco"...

R - O Renê, da Wop Bop, que também era uma loja, resolveu fazer uma produção de discos, não sei se já haviam outros discos lançados. Ele resolveu bancar e a gente fez esse projeto, que era bastante eletrônico, tinha o espírito do samba...O disco é muito bem gravado. Tem um deslize ou outro. Acho que a bateria eletrônica foi mal mixada, isso acontece algumas vezes. A produção foi do Jack (N. da R.: R. H. Jackson, produtor de discos), nós gravamos no estúdio dele. O Akira S., se não me engano, toca nesse disco e acho que ele fez baixo.

P - "Amor Louco" pode um dia chegar a ser lançado em CD, como os outros? (N. da R.: o relançamento aconteceu no ano de 2001)

R - A Wop Bop fechou e foi um lançamento deles. Acho que existe uma fita master com alguém. Deve estar com o Renê, o dono da Wop Bop nessa época, mas isso é uma coisa que não nos pertence. O Luiz não iria relançar uma coisa que não é dele.

P- Na época, algumas críticas davam conta que a sonoridade do disco "Amor Louco" estaria próxima a MPB. Mas ao mesmo tempo, acho, ele é o mais pop da banda. Isso foi intencional?

R - O que a gente buscava era uma coisa mais melodiosa, mais MPB, mas que tinha um toque eletrônico. As coisas mais bem-sucedidas neste LP são aquelas voltadas para o espírito MPB. Os erros estão concentrados nas faixas que tem uma bateria eletrônica mais acentuada.

P - Qual o motivo de existirem nesse disco duas letras em Inglês?

R - "Love Till The Morning" é uma música muito ruim. Escrevi a letra brincando num ensaio para depois fazer uma letra definitiva, mas nunca consegui chegar a uma. Isso grudou na minha cabeça e ficou. Agora, "Chico Buarque Song" eu acho legal. Fiz em inglês porque foi a primeira coisa que ocorreu. Gosto muito dessa música...

P - Tem um trecho da música que é ótimo: "Shine inside your eyes my foolish eyes". Traduzindo: "Brilham seus olhos dentro de meus olhos tolos", que funciona como uma citação à "Olhos nos Olhos" do próprio Chico Buarque.

R - Francamente não foi intencional. Acho legal você ter reparado, porque isso me dá mais o sentido da coisa. Eu pensava numa relação amorosa. Essa música apareceu quando a gente estava voltando de Maresias para São Paulo, aí uma lebre cruzou o meio do caminho. Só deu para ver aqueles olhos brilhantes dela na noite. O começo da música é esse. Para ser franco, essas letras em inglês apareceram porque eu não tinha nada para colocar no lugar.

P - Como foi o show no New Music Seminary em NY? Atrapalhou o fato de terem tocado apenas você e o Thomas?

R - Atrapalhou, sim. Nós erramos ao pedir vistos H no consulado para todos. Esse é o visto de trabalho. Para pedir visto de trabalho no consulado americano você tem que ser amigo do Bill Clinton (risos). No dia em que eu e o Thomas estávamos lá, reparamos que pessoas na nossa frente pediram esse visto e sacamos que os funcionários do consulado estavam impondo enormes dificuldades. Então pedimos visto de turista, mas eles colocaram no nosso passaporte, em inglês, que era apenas para assistirmos ao New Musical Seminary, não para tocar. Por isso que acabamos indo somente eu e o Thomas. Compramos lá uma bateria eletrônica e uma guitarra. Eu levei minha gaita. Para esse show, a revista Bizz tinha destacado um jornalista, o Mike Coleman, que escrevia para a Rolling Stone, ele gostou muito. Só tinha brasileiros nesse dia, muito poucos estrangeiros, como sempre. Tinha umas quarenta pessoas num lugar muito pequeno. Um dos grupos que participaram do seminário e estava dando autógrafos entre os intervalos do evento era o De La Soul. Naquela época eles eram praticamente desconhecidos. Nós passamos perto deles e eu perguntei de quem se tratava e o Thomas respondeu: "É o De La Soul". Os caras estavam dando autógrafos para uns três ou quatro garotos. Foi muito prestigioso para o Fellini tocar em Nova York.

21 - Qual foi o fator determinante para o "derradeiro final" do Fellini?

R - O ponto final do Fellini se deveu a um certo esgotamento de nossa parte. Seis anos insistindo, fazendo discos independentes. Chega uma hora que dá uma cansada. O ano de 1990 também marca um certo refluxo do rock no Brasil, esse rock com cara de anos 80. O Thomas resolveu morar na Alemanha. Foi uma decisão unânime e da qual achávamos que não ia voltar atrás, como até agora não voltou. Eu acredito que se o Thomas estivesse morando no Brasil, já teríamos retornado com o Fellini há muito tempo. Como ele ficou fora, a coisa se resolveu por aí, mas a memória das pessoas é muito forte, gente que foi ver o show com 15 anos... As pessoas guardam recordações de um grupo que tem quatro discos, todos independentes, que não devem ter vendido grande coisa, raramente aparecíamos na televisão...Um grupo que só tocava em rádios alternativas, aparecia na revista Bizz de vez em quando... É um grupo muito querido...Eu acho que tudo que fiz na minha vida depois disso tem muito a ver com a banda. Reneguei o Fellini durante muito tempo porque tinha preocupações intelectuais... Sabe quando se acha que é velho demais para fazer aquilo?. Eu me revoltava contra o esquema "rock star", aquela história de você empunhar o microfone e fazer as gatinhas gemerem. Esse esquema nunca foi a minha cara, sou muito tímido. O fim do Fellini talvez tenha a ver com isso. O fato de se apresentar, isso pesava um pouco. Eu tinha pretensões literárias, acho que uma coisa batia com a outra. Foi sempre uma relação muito complicada.

P - O pessoal do Ira! lançava farpas contra o Fellini sempre que concediam entrevistas. O Nazi e o Edgard diziam que a crítica especializada só falava bem da banda porque vocês eram jornalistas. Houve alguma mágoa com eles por causa dessas declarações?

R - Primeiro, eu acho que é uma acusação estúpida porque o Thomas trabalhava na Bizz e nunca votou no Fellini quando foram escolhidos os melhores do ano, posso garantir isso. O Thomas é um cara com preocupações éticas, nunca faria isso. Eu trabalhava numa revista de cinema, a Set, que era junto com a Bizz, mas não tinha a menor influência sobre eles, pode acreditar. Agora o Ira! não tem do que reclamar. Eles estão aí até hoje. Chegamos a tocar juntos em Nova York, somos amigos. Eu acho o Edgard Scandurra o melhor guitarrista do Brasil e não tenho a menor dúvida sobre isso. Particularmente não gosto do som que eles fazem. Acho que eles também nunca apreciaram nosso som. São coisas muito diferentes, posturas muito diferentes. Independente disso, são simpáticos. Naquela época a gente também falava coisas de efeito. Isso nunca deu briga.

P - Olhando agora, qual a avaliação você faz do trabalho do Fellini? É possível mesmo fazer música juntando gostos diferentes?

R - Eu acho que é. Quando se trata de um grupo, você precisa ter uma unidade básica. A unidade básica do Fellini era eu e o Thomas. Eu fazia as letras, fazia algumas melodias em cima dos temas que ele propunha. E o Ricardo sempre com idéias muito importantes. É necessário ter isso: uma unidade básica, mesmo que seis gostos sejam diferentes. Você tem que acreditar em alguma coisa conjunta, do contrário, não funciona. Agora, é uma questão de química, eu vejo pelas duplas em geral. O que nós tínhamos no Fellini era assim: um cara com preocupações intelectualóides, que era eu, (risos) e um cara que conhecia música e era excelente músico que era o Thomas. E ele tinha bom gosto...

P - Esse lado intelectualóide era o seu lado literário?

R - (Risos) Não vou dizer intelectualóide. Não me julgo intelectual, mas eu tinha preocupações literárias. Essa tradição, que vem do Velvet Undergound, de letristas com esse tipo de preocupação rende boas coisas. Modestamente falando, acho uma das grandes atrações do Fellini é o fato de ter essa visão maluca, excêntrica da vida. Tem algumas passagens das letras que são poéticas. Isso era um atrativo, não apenas a postura musical. É um casamento muito feliz. Acho que o Velvet Underground tinha isso, o Joy Divison tinha isso, os Smiths também. Eu não me julgo a cabeça poética do Fellini. Para mim, a coisa que mais dava vida para o Fellini é a boa fé do Thomas.

P - O seu trabalho como escritor não seria uma extensão de sua participação como letrista no Fellini?

R - Acredito que não. Quero acreditar que não. É um trabalho diferente, não gosto de ver como uma extensão. Acho que são épocas diferentes. Quando se faz uma letra, você está sujeito a música. Então tem uma série de contingências. No meu caso tinha a melodia, eu dependo dela, dependo de uma idéia despertada por ela, dependo do clima, do que eu estou vivendo com o grupo. A literatura, o livro de contos que escrevi, é diferente, é uma outra postura.

P - Mas é possível perceber que existe um caráter inconclusivo nos textos, e as letras do Fellini também tinham isso.

R - Talvez nesse espírito, sim. São inconclusivos porque eu acho que a vida é assim. A não ser a morte, que é um belo selo para tudo, o resto tem esse caráter inconclusivo. É uma passada de bola muito modesta ao ouvinte e ao leitor para que eles tenham conclusões próprias. Eu detesto transmitir mensagens. Acho que ninguém é dono de verdade para isso.

P - Fale um pouco sobre a repercussão do Fellini fora do Brasil. Ainda hoje, o restante da população deste planeta se interessa pelo som de vocês?

R - O Thomas levou alguns discos para tentar ver uma saída, uma gravadora, mas nunca se interessaram. Se houve alguma execução em programas de rádio lá fora, eu não fiquei sabendo. O Thomas fez um trabalho solo de bossa nova com a mulher dele chamado The Gilbertos. Eles gravaram coisas muito legais. A gravadora do David Byrne se interessou, mas depois voltaram atrás. Era uma oportunidade do Thomas se lançar e acho que iria ser um barato. Era uma bossa meio eletrificada, mais para um lado deprê.

P - Depois de todo esse tempo você já conseguiu definir que tipo de som o Fellini fez em toda sua discografia?

R - Não. Eu gosto de pensar que era um grupo que fazia uma certa bossa eletrificada, mas eu não sei se consigo definir...Era um grupo esquisito que despertou nas pessoas um senso de liberdade estética. E despertou também um senso de diversão, porque a não levávamos as coisas muito a sério. Acho que a música contribuiu para deixar as pessoas um pouco mais felizes ou se não ficaram felizes, ficaram aliviadas.

Thomas Pappon

P - Vamos falar do começo do Fellini. O Cadão disse na entrevista que você queria fazer uma banda na qual você tocasse baixo e ele faria as letras. Como é que foi esse processo de formação?

R - A gente se conhecia há muito tempo. Nós fizemos a ECA (N. do R.: Escola de Comunicações e Artes da USP) e a gente era da mesma turma de libelus, pessoas que simpatizavam com a Libelu (N. do R.: Liberdade e Luta, um grupo político da universidade). Gostavamos das mesmas coisas, do mesmo tipo de filme, tinhamos as mesmas preferências culturais, gostavamos mais ou menos das mesmas bandas. O Cadão não era um cara ligado em música. Eu era muito mais do que ele, mas ele tinha essa vontade de fazer uma banda. Ele já cantava numa outra banda , cujo nome não recordo. O problema é que eu já tocava com tantas bandas...Eu tinha comprado um baixo e estava louco para sair da bateria e poder compor, fazer outras coisas. E essa foi a chance, O Cadão era a pessoa perfeita. Um cara para cuidar dos vocais , um cara que eu achava que poderia ter idéias legais...

P - No Voluntários e no Smack você tocava bateria?

R - É, eu tocava bateria e participava das composições, mas sabe como é, o baterista não tem muito a dizer numa banda na parte das melodias e tal. Eu queria fazer isso. Então o Fellini surgiu assim.

P - Como é que foi o processo de composição para as músicas do primeiro álbum?

R - A gente se reunia duas vezes pôr semana lá no Morumbi, na casa do Ricardo Salvagni. Ele foi o último a entrar para a banda. Começamos eu e o Cadão, a gente fez algumas coisas. Depois entrou o Jayr Marcos, porque ele tocava com essa primeira banda do Cadão e eu já tinha tocado com o Jayr, se não me engano. Faltava o baterista. Por indicação do Caito, ele perguntou "por que não o Ricardo". Nessa época, ele tava tocando bateria numa banda obscura, alías ele tocava muito mal. A gente achou super-legal a idéia (de Ricardo entrar para o Fellini), porque a gente pode ensaiar na casa dele, mas era num lugar dificil para chegar de ônibus. Mesmo assim, ensaiavamos duas ou três vezes por semana. A gente estava entusiasmado naquela época, adoravamos ensaiar. O Jair outro dia lembrou de uma coisa interessante: o primeiro ensaio que nós fizemos foi exatamente no dia 18 de maio de 1984 que é a data da morte do Ian Curtis. A gente ficou assim: "Opa! Vejam só! O destino, a sincronicidade...". A gente fez um repertório bem legal, fizemos umas demos, pôr sinal que ninguém conhece. Antes de entrar em estúdio, gravamos uma demo com todo o repertório que tá no disco e mais uma música que não entrou no disco e se chama "Eclipse", uma letra muito legal do Cadão, mas é meio "dark". Foi uma demo bem mambembe mesmo. Depois a gente gravou num estúdio mais decente "Shiva" e a versão de "Rock Europeu" que está nela é bem engraçada pôr que o Ricardo erra o tempo inteiro na bateria e ficou engraçado. Mas são documentos preciosos, eu adoro ouvir essas fitas o tempo todo.

P - "Rock Europeu" foi o grande hit de vocês. O Cadão diz que vocês ficaram marcados por essa música. Vocês fizeram umas coisas mais experimentais e a imagem do Fellini ficou associada ao nome dela...

R - Os grupos sempre ficam associados a música que faz sucesso e "Rock Europeu" foi a música que projetou o nome Fellini com peso, mas eu não sei se a música tocou mais do que "Teu Inglês"... "História do Fogo" tocou legal, mas não tanto quanto "Rock..."

P - "Nada" acho que tocou muito...

R - (surpreso) "Nada"! É mesmo?

P - Tocou muito em Porto Alegre. Conhece a Rádio Ipanema? Ela toca lá ainda.

R - Legal, é uma das minhas prediletas, mas o resto da banda não acha muito legal.

P - Tem uma gravação ao vivo de "Nada", que está em "O Adeus de Fellini"...onde foi gravada?

R - É a última música que esta no disco de vinil. A gravação foi no Madame S. Um show bem do começo da banda. Essa versão tem uma outra letra que é a primeira que o Cadão fez, depois ele mudou...e a gente deixou também....essa é uma coisa típica do Fellini mesmo. Eu acho que são duas as principais contribuições do grupo ao rock e que deixaram a gente com esse status de banda cult. Uma é a música do Fellini, muito legal, instigante, o Cadão é um letrista extraordinário. A outra é o comportamento, é a atutide, o Fellini era uma anti-banda. Fizemos isso propositalmente para mostar um pouco como é ridículo você seguir determinados padrões de comportamento dentro da indústria musical, tipo se associar a uma gravadora, ter um comportamento típico de banda de rock, destruir hotéis, fazer solos de guitarra, usar cabelos compridos, adotar uma postura "rebelde", esse tipo de coisa. A gente sempre foi contra tudo isso, contra esse polo musical determinado pelas gravadoras do Rio de Janeiro. A gente sempre detestou essas bandas cariocas...Barão Vermelho, essas coisas que tinham na época. E em São Paulo nessa época havia um outro polo...era sub, era "sub-tudo" mesmo...era undegruond mesmo, era o sub-undergruond...

P - O "underground do underground"....

R - ...Era o "faça vocë mesmo". A gente criava os nossos espaços para se apresentar, criou formas de lançar nossas músicas na época e o Fellini foi um dos que mais falou "é por aqui, ó". A gente fez tudo do jeito que queriamos fazer e incluir essa faixa "Nada" foi uma coisa típica. Quem vai incluir uma gravação ao vivo tão ruim, tão fuleira e que, ao mesmo tempo, mostra exatamente como era o show. O Cadão no começo da gravação falou "a gente vai tocar na Vila Madalena" (imita)... O Alex Antunes estava no show e gritava "imita o Nazi", porque o Cadão gostava de imitar o Nazi (do Ira!) no palco...

P - Foi dessa época que nasceu a polêmica entre vocês e o Ira!

R - Não daí, não dessa época. O Ira! rapdinho se associou a essa coisa de gravadora e rapidinho também entrou para a turma das bandas que tinham bode do Fellini porque achavam que éramos favorecidos pela imprensa pelo fato de eu trabalhar na Bizz ou, principalmente, pelo fato dessas pessoas que trabalhavam na revista serem amigos nossos: Alex, Bia Abramo, Minho K, o Scott (José Augusto Lemos) essa moçada. Todos simpatizavam com as músicas e por isso o pessoal ficava puto. Em 1987, quando a gente ganhou o primeiro lugar da crítica, empatados com o Titãs, eles acharam o fim da picada, não suportaram essa idéia. Nessa época, o Ira! estava lançando o "Psicoacústica" e eu fiz o press-release e eles ficarm putos com o que eu escrevi. O Nazi e o André vieram até minha casa possessos de raiva. Eu não me lembro exatamente o porque, mas o "press-release" deveria ter alguma coisa....eu não tinha gostado do disco e deixei isso transparecer , o que é uma coisa estúpida, deveria ter me recusado a escrever, mas eu era muito amigo deles. Isso causou um mal-estar que durou uns dois anos...uns dois anos que eu não cruzava o Nazi. De amigos muito próximos, a gente virou...sabe.

P - Tanto é que nessa época eles começaram a bater mais em vocês na imprensa. Vocês chegaram a ter algum tipo de aproximação naquele festival em Nova York?

R - Aquele festival marcou a nossa reaproximação, a gente conversou. Antes de irmos para Nova York, a gente se apresentou no programa do Kid Vinil na TV Cultura (Boca Livre). O Ira! se apresentou lá e a gente. A nossa apresentação lá foi horrivel, mas não porque tivessemos tocado mal, foi pelo fato de o som ser captado pôr microfones de lapela. Uma coisa grotesca, quando vi o resultado final... foi uma meeerrrda! Eles viram isso na televisão e falaram "Pô bicho. Eu fico impressionado. Vocês vão para Nova York e aquilo ali na televisão foi qualquer nota, horrível". E eu: "É, vocês tem razão". Com o passar do tempo, ele começaram a nos respeitar. Eu vi entrevistas recentes do Nazi dizendo que respeita muito, apesar de não gostar do Fellini e por aí vai. É mútuo. A gente não gosta da música deles e eles não gostam da nossa.

P - E com os Titãs? O Cadão falou numa entrevista que eles eram os "alternativos oficiais"...

R - ...pois é, veja a situação hoje, como é irônica. Quem são os Titãs hoje no rock and roll?

P - Os "oficiais oficiais"...

R - É...eles ficaram putos, não sei porque, foi à toa. Foi uma bobagem, não vejo problema nenhum...

P - Teve a história de uma demo que vocês mandaram para a WEA e eles fizeram uma campanha contra, vetaram a contração de vocês.

R - Isso daí eu não sei, cara...são boatos, mas vai saber qual é o fundo disso. Eu duvido muito dessa história: "Titãs vetando Fellini". Acho que não, as gravadoras não tinham nenhuma noção do que era o Fellini e de como vender o Fellini, um produto que para marketing é muito dificil, ainda mais naquela época. Acho que não houve veto.

P - Voltando ao começo, quando vocês gravaram a primeira demo quem vocês procuraram? O Calanca? Mais alguem?

R - Isso é uma coisa que não está muito precisa na entrevista do Cadão. Ele não se lembra dessa história direitinnho. A gente resolveu bancar a gravação toda. A gente dividiu. O Jair não tinha grana e dividimos eu, o Cadão e o Ricardo e bancamos. Foram dois meses num estúdiozinho que ficava numa travessa da Av. Sumaré. Tinha oito canais, era bem simples, uns caras legais. Eram dois engenheiros de som. Então a gente, gravou o disco e com a fita pronta mostramos para o Luis Carlos Calanca (dono da loja e selo Baratos Afins) e ele não quis lançar...

P - O Cadão fala de um estranhamento dele...

R - O Calanca ficou meio assim. Era a única chance que a gente tinha de lançar algo. Depois de alguns meses, ele topou lançar. Acabou lançando e foi super-legal. Aí fizemos tudo, capa...

P - O nome "Adeus de Fellini", essa perspectiva do final da banda foi por acaso?

R - A gente achou engraçado a idéia de lancar o primeiro disco falando disso, o adeus de Fellini. E ao mesmo tempo a gente quis fazer uma referência esperta a efemeridade, aquela coisa efêmera de você ter uma banda independente, que pode acabar a qualquer momento. Naquela época algumas bandas faziam dois singles e acabavam. Eram essas duas coisas: primeiro porque era engraçado mesmo e depois porque existia esse risco mesmo.

P - O Cadão acha o segundo LP (Fellini Só Vive Duas Vezes) o melhor de todos. Você concorda? Se você tivesse que fazer um ranking, qual seria a sua ordem de preferência.

R - Putz, bicho. Eu ouvi tanto esses discos, ouço tanto esses discos até hoje...Eu gosto de todos. A cada momento eu gosto mais de um deles. No momento é o que tenho ouvido menos nos últimos anos. Teve épocas em que eu ouvia direto o segundo. O disco que eu mais tenho bode, o que mais me dá raiva é o terceiro (Três Lugares Diferentes)....

P - Por que? Ali vocês antecipavam uma série de coisas que estão sendo feitas hoje na música pop brasileira...

R - É, mas me dá raiva de não ter tido baixo nesse disco. Eu ouvia as músicas e sentia falta de um baixo. Na época, eu falei "Foda-se. A gente vai sem baixo mesmo". Mas é o que tem no segundo.. O que eu gosto mais é o primeiro. É uma explosão, é um jogo de idéias legais, todas as músicas eu acho muito legais, tem uma histórinha , explora uma atmosfera, um clima, uma história engraçada. É sexy. E eu consigo ouvir direto, sem parar.

P - No segundo prevalece mais a poesia do Cadão.

R - É o que marca a identidade do Cadão. No primeiro ainda ele faz muitas referências, tem muitas citações, é mais pós-moderno...

P - A bateria eletronica ouvida no segundo disco ainda existe?

R - São duas baterias. Uma é uma Drumatix que era do Ricardo e pode ser ouvida em Tabu. A outra era uma Roland e hoje não tem mais nada.

P – O segundo LP foi gravado na sala de estar da sua casa, não foi?

R – Exatamente. As fotos da contra-capa foram feitas lá. Não foi na Oscar Americano, como o Cadão disse na entrevista, foi na Oscar Caravelas, uma travessa da Heitor Penteado. “Mãe dos Gatos” foi improvisação pura, a única música que o Fellini fez assim, a letra foi improvisada. Tem uma hora que ele fala “Mitsu, Mitsu” é porque o meu gato Mitsu passou no meio da gravação e o Cadão ficou chamando o gato. Por isso que a música se chama “Mãe dos Gatos”. Tem a história da foto com o gato no colo...na verdade as pessoas acham genial, mas foi meio por acaso também.

P - O nome da banda tem algo a ver com o Felline, disco dos Stranglers.

R – Tem, com certeza. Era um disco que a gente amava.

P – Eu lembro que eu assisti a um show de vocês no Espaço Retrô, que foi o de lançamento do Lp “Amor Louco” no qual vocês tocaram antes e depois passou uma série de vídeos deles. É a referência principal de vocês?

R – É, com certeza eu acho que unia não só o pessoal do Fellini, mas de outras bandas também. Lembro de ver o pessoal do Legião Urbana usando camisetas do Felline, o Bonfá, se não me engano. Gozado que esse é um disco que lá fora, na Inglaterra, o pessoal despreza. Eles acham muito comercial. Eu acho que é um disco magnifico, porque ele apontou uma série de caminhos para a gente. Tem muitos violões, tem um baixo frontal , que ainda é uma grande influência, principalmente no primeiro disco...aquele baixão na frente quase determinado a melodia, isso é influência do Jean Jaques Burneau, baixista dos Stranglers. Eles estão na ativa até hoje. Eu perdi um show deles há dois meses, mas também o cantor principal deles saiu, aí é foda.

P – Eu ouvia “Always The Sun” muito em rádio.

R – Eu também lembro disso...

P – ... É uma coisa bem comercial...

R - ...É bem comercial, é verdade...

P – Bom, pelo o que você acabou de falar, “Três Lugares Diferentes” é o disco que você menos curte, porém eu acho que ele apresentou uma série de diretrizes para o rock brasileiro...

R – É verdade. Se as letras foram definidas no segundo disco, a parte musical mesmo, a identidade musical é definida no terceiro disco. O único problema era com o som. Quando eu ouço o disco hoje ele me dá raiva, porque eu acho que qualquer pessoa nota que tá um som esquisito, falta baixo...

P – É um disco “Low-fi”, né?

R – É “Low-fi”. Mas “Teu Inglês”, por exemplo foi super resolvida. É uma faixa que não nada que tirar nem pôr. A percussão do Silvano Michelino é espetacular também. “Zum Zum Zum Zazoeira” está superlegal também.

P – Qual é a relação de vocês hoje com o Calanca?

R – Muito cordial. Eu fui almoçar com ele duas vezes. Eu só tenho certo medo de...no futuro...porque eu conheço tantas histórias de bandas que no início se davam superbem com as gravadoras depois acabam brigando por causa de direitos autorais, esse tipo de coisa. Por que está tudo num contrato e ninguem tem cópia desse contrato. Ninguem sabe exatamente quem é o dono... No caso do Fellini, a matriz do primeiro disco a gente que bancou, do segundo e do terceiro a gente gravou em casa e ele bancou a parte das mixagens... Então a gente não sabe quem é exatemente dono do que. Como ele relançou em CD, ao meu ver deveria Terri sido feito um novo contrato. Eu acho que é isso que se faz, ou pelo menos ter pedido uma nova assinatura porque as bandas estariam cedendo os direitos mais uma vez para um novo formato. Mas não houve nada disso. Ele incluiu as faixas-bônus e eu não fui consultado. Mas no geral a relação é boa.

P – Mas vocês recebem direitinho...

R – A gente nunca recebeu um tostão...

P – Nem na época do lançamento dos discos?

R – Pelo contrato era estabelecido que a gente tinha um percentual em CDs. Foi estabelecido pelo contrato, não é sacanagem. Ele não está deixando de pagar. E ele também não é a pessoa que tem que repassar direitos autorais. Quem arrecada é que passa para a gente. A Anacin, que é uma empresa arrecadadora, paga o Luis que é o editor e ele paga para a gente.

P – Voltando aos lançamentos do Fellini, existe ainda “Amor Louco”? Eu acho que é uma tentativa de aproximação de vocês com o pop, confere?

R – (pequena pausa) Não. Eu acho que não...

P – ..Para mim vocês devem ter pensado o seguinte “a gente já experimetou demais, vamos tentar um formato mais convencional”...não que não seja bom...

R – Eu acho que o resultado final de fato ficou assim, mas não porque a gente tivesse a intenção. A gente quis simplesmente fazer um disco com condições técnicas legais...

P – O Renê Ferri (dono da loja e selo Wop Bop) é quem pagou tudo...

R – Ele que pagou tudo. O Luis não quis bancar...Eu lembro que a gente fez a matriz foi gravada num negócio digital, mas foi o máximo que a gente chegou em termos de tecnologia. Foi gravado em 16 canais, levamos um tempão gravando. Demorou muito porque o cara que estava produzindo, o R.H. Jackson, viajou, tentamos terminar com o Akira, mas não deu certo. Esperamos o Jackson voltar depois de dois meses viajando. Demorou quase meio ano, tanto que só foi lançado em 1990. Mas eu acho que no resultado final é que ficou talvez essa coisa meio pop porque é um disco mais bem acabado que os outros. E também a gente fez uma concessão (talvez a única vez, se é que dá para chamar isso de concessão), uma tentativa de fazer uma música que eventualmente tocasse numa pista de dança: “Love Until The Morining”. Eu trabalhava na Stiletto e estava muito ligado nessa coisa de Acid House, eu ouvia muito isso e falamos “vamos fazer uma música para pista de dança”, mas foi a única concessão. Mas eu não acho que é um disco pop. Na verdade, eu acho um elogio dizer que ele é pop. Eu não tenho problemas quanto a isso.

P – Uma coisa que vocês precurssaram foi a de cantar letras em outras línguas. Existem letras em alemão, em italiano e em inglês. O que você acha dessas bandas nacionais que cantam em inglês.

R – Eu acho tão legal fazer letras em português...quando você tem o que dizer, né? Tanto que com o The Gilbertos por exemplo eu faço letras em tudo quanto é língua. Eu acho que é um pouco uma tentativa de fugir da realidade, de fugir do fato de você ter que dizer alguma coisa. O Cadão é um “natural” (N. do R.: ele usa a palavra em inglês), é um cara que naturalmente diz de uma forma poética maravilhosa. Ele fala da infânica, recordações, memória, ele fala de amor, romances... E eu não sei...Se você não tem nada a dizer, eu acho que tudo bem, pois unversaliza o teu trabalho, você pode mostrar em qualquer lugar, para qualquer pessoa do mundo. Mas você não pode existir a ilusão de ter que cantar em inglês para as pessoas entenderem fora do Brasil. Não é pôr aí, não. Eu acho as pessoas podem fazer letras em inglês por que é adequada ao formato rock. Ela encaixa com uma grande naturalidade se você está fazendo rock...E eu lembro dos Pin Ups cantando em inlgês...Eu acho que banda brasielria deveria cantar em português, é o que eu acho. Aliás, é uma coisa que eu discuti com tanta gente. Tem gente que acha que para penetrar no mercado internacional você tem que cantar em inglês. Porém, outras pessoas acham que o mercado internacional gosta do português, do som do português...Na época da Bossa Nova o fato de muitas musicas serem traduzidas para o inglês ajudou imensamente na projeção internacional, não tenho a mínima dúvida. Tanto que Sinatra, Ella Fitzgerald, gravaram coisas da bossa nova porque tinha versão em inglês. Mas eu acho que essas bandas de rock nunca vão ter essa projeção...

P - Mesmo porque o que eles fazem aqui tem quinhentos fazendo lá...

R - Exatamente. Eu gostaria de ver novos Cadões aparecendo, novos Renatos Russos...

P – O que eu sinto é que essa geração quer romper um pouco com a geração dos anos 80, esse rock dos anos 80. Teve muita coisa boa nessa época, mas teve muito lixo, muita pose, muita pretensão...

R - É? Me parece um pouco falta do que dizer ou de falta de saber como dizer. É um problema sério. Já te disse que eu mesmo não saberia...se eu tivesse uma banda eu preferiria me refugiar em letras em inglês. As pessoas fazem como um recurso até meio calhorda, eu diria assim...De não ter o problema de fazer letras em português e de ter que dizer alguma coisa...É um problema sério. Faltam mesmo Cadões, faltam Russos. O Russo é uma pessoa que mostou como é possivel você se expor atraves das letras, é uma coisa que muita gente não quer, não gosta ou tem medo de fazer. O Cadão encontrou um outro caminho, mas que requer muito requinte, muita cultura...E ele é um intelectual.

P – São para você os dois melhores letristas do rock brasileiro?

R – Ah, eu não tenho dúvida, são as pessoas que estabeleceram os primeiros parametros de letras no rock nacional. Até então ninguem sabia o que dizer. No Voluntários da Pátria (as letras todas eram minhas) ou mesmo no Smack, a gente não sabia o que falar. Então a gente vinha com um discurso politico, porque todo mundo era politizado, éramos jovens, universitários, estudantes, tinhamos letras assim...Eu acho isso horrível. Acho as letras do Ira! horriveis, as letras dos Titãs, salvo uma ou outra, são horríveis. Acho que Renato Russo e Cadão estão lá em cima....Acho que o Cazuza era uma merda, uma merda...O Alex Antues era muito bom. É um grande talento, tinha me esquecido dele. É que o Cadão deixou mais coisas. O Russo também, mas o Alex deixou um disco com letras maravilhosas. O Alex era um grande letrista e ainda é porque ele tá com um trabalho novo, ele me mostrou uma demotape chamada Shiva Las Vegas. Quem tá envolvido nisso também é o Miguel Barella. Voltando ao papo dos letras, só quero deixar isso bem claro, Cadão e Renato Russo estabeleceram padrões que ninguem depois rivalizou. Nenhuma outra pessoa depois conseguiu mostrar um outro caminho que não fossem essas duas opções.

P – Uma história que entrou para a antologia do rock nacional foi a de vocês terem uma música tocada no programa do John Peel. Como é que o disco foi parar nas mãos dele, como é essa história em detalhes.

R – Eu mandei o primeiro disco para ele. Passaram uns seis meses e eu recebi um pacote que chegou na minha casa. Eu abri o tal pacote e tinha uma carta do John Peel mais ou menos assim “Prezado Thomas, eu toquei músicas do Fellini no meu programa. Recebi um monte de cartas de ouvintes que estou passando a você.” Aliás, saiu até uma foto dessas cartas na revista Bizz. Tinha uma carta de um fã gay...Eu não consigo me lembrar com quem estão essas malditas cartas. Nessa minha viagem pela Europa, tanta coisa foi perdida, fitas de vídeo com shows do Fellini e as cartas, que são uma preciosidade....Tinha uma carta de um presidiário....

P - É, essa história é famosa. Um presidiário que gostou muito do som da banda “mexicana”. Ele confundiu a nacionalidade de vocês...

R – É. Tem a carta de um fã gay e tem a desse presidiário. Eu gravei uma fita e mandei para ele. Aí eu recebi outra carta dele dizendo: “infelizmente na prisão eu não posso portar cassetes. Mas assim que eu cumprir a minha pena, daqui a oito anos, eu espero ouvi-la.”

P – Ele era de Londres mesmo?

R – Era de uma prisão de Durham, que fica perto de Londres, inclusive eu a conheço.

P – Você fez contato com ele depois?

R – Não, nunca mais...O John Peel eu sei que ele tocou as músicas da gente não apenas no serviço doméstico, no programa dele na Radio One, como também no serviço internacional da BBC. Muita gente na Alemanha e em outros países ouviu o Fellini através do John Peel também, pôr conta do programa que vai para o serviço internacional. Teve o caso de um alemão que ouviu e que mandou depois uma nota de 20 dólares e um bilhete “Por favor, mande um disco do Fellini”. Eu mandei para esse cara na Alemanha e ele ficou tão surpreso de ter recebido o disco de fato, que ele contou essa história numa outra carta para um programa de rádio superconhecido lá...

Onzenet – Que é o do Axel Sommerfeld...

Thomas – E o Axel contou essa história no programa dele.

P – Ele tocou “Outro Endereço, Outra Vida”...

R – Mas o John Peel também tocou essa música. Esse alemão tinha gravado o programa do Peel tocando e me mandou esse cassete com o as duas gravações, a do Peel e a do Axel.

P – No CD de “Três Lugares Diferentes”, tem um tape de vocês na Rádio Cultura no programa do Serginho Groismann...

R – Isso daí tá no cassete de Amor Louco. A música que nós tocamos lá ao vivo no programa “Matéria Prima” chama “Aeroporto”. Uma gravação muito legal, eu gosto muito dessa música.

Onzenet – É inédita, então?

Thomas – Tá nesse cassete e tem também uma outra música muito legal chama “O Destino” (cantarola).

P – Uma coisa que eu notei é que nunca ninguem se interessou em regravar músicas de vocês...

R – Interessante isso. Outro dia me contaram uma história que o Lobão numa entrevista coletiva recente aqui em São Paulo, tava cheio de jornalistas e um deles disse que “Pô, várias músicas desse seu disco novo lembram muito o Fellini. O que você acha dessa história”. Ele respondeu: “É verdade. Muitas pessoas me falaram nisso”...É verdade, eu me pergunto isso, mas um dia vai aparecer alguem que vai gravar alguma música nossa.

P – Você acha que o Fellini está marginalizado pela mídia de hoje...

R – Eu acho que não é marginalizado...Não acho, não. Eu acho que é marginalizado apenas pela ShowBizz, acho mesmo. O pessoal que está lá agora faz troça dos anos 80, dessas bandas do anos 80. O Sérgio Martins me ligou outro dia falando que eles estavam fazendo uma matéria sobre as bandas “One Hit Wonders” (N. do R.: cuja tradução é maravilhas de um sucesso só), do tipo Fellini, Mercenárias, etc. Ele me perguntou o que eu achava dessas bandas. Eu respondi: “Pô, eu não tô entendendo o sentido dessa matéria da ShowBizz. Você está dizendo que esses grupos não deveriam ter existido? Que a gente deveria ter largado?”. Bom, 99% das bandas que me influenciaram nunca tiveram hits. Eram totalmente desconhecidas, efêmeras, que acabaram depois de um ou dois discos, mas eram superlegais, instigantes para cacete, que tiveram coisas geniais. E eu peço a Deus que bandas não desistam nunca de fazer música porque não tiveram hits. O Chico Science se estivesse vivo hoje ajudaria a projetar mais o Fellini. Talvez ele até resolvesse gravar uma música nossa.

P – Você ficou supreso com isso? Um popstar como ele falar que gostava do Fellini?

R – Não muito. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde iria aparecer alguem. Tem tantos exemplos pôr aí, veja o Velvet Underground, guardadas as devidas proporções, ficou mais de dez anos na obscuridade...

P – Tenho um amigo (Eduardo Ramos, da Slag Records, selo de demo tapes) que diz que o Fellini é o Velvet brasileiro...

R – É, dá para dizer. Sob um certo aspecto, dá para dizer. Guardadas obviamente as devidas proporções. Mas num sentido de falar sobre uma banda que fez um negócio que estava anos à frente do que viria acontecer mais tarde, iria apontar caminhos superimportantes a serem descobertos mais tarde, com certeza.

P – Voltando as músicas, “Chico Buarque Song” tem uma coisa curiosa. Você entrevistou o Chico Buarque uma vez para a revista Bizz. Não houve nenhuma relação da sua entrevista com a música?

R – Não. Eu acho que a música só chama Chico Buarque Song porque ela cita “Do you stll hear Chico Buarque at night”, que é errado por sinal. O certo seria “Do you listen Chico Buarque...”. Tem vários erros de inglês nessa letra.

P – Mas tem uma citação nela que pouca gente deve ter percebido de “Olhos nos Olhos”.

R – Eu acho que muita gente percebeu...O verso “Shine inside your eyes in my foolish eyes” tem a ver com “Olhos nos Olhos”, com certeza. Eu não sei se o Cadão fez isso de propósito. Mas essa é música mais completa que o Fellini já fez. Eu me lembro de compor essa música em Salvador, nas férias em 1988 e de a gente ficar um ano arrumando um arranjo legal.

P – Quais são as suas dez mais do Fellini. Se você tivesse que fazer uma coletânea, quais músicas escolheria?

R – Quantas vezes eu ficava sentado em boteco tomando cerveja, sem nada para fazer e escolhendo músicas para um “Best of Fellini”. Eu acho que são as músicas que estão no repertório do show (N. do R.: que aconteceu em dezembro de 1998 em São Paulo, no Rio e em Brasília) com certeza. Tem uma ou outra que não dá para tocar ao vivo, ou ninguem gosta. Uma coisa é juntar as tuas preferidas e outra é pensar num “best of...

P – Qual seria aquela música que é a cara do Fellini ou então uma que resume todo o trabalho de vocês.

R – (longa pausa) Eu sempre achei por uma razão totalmente subjetiva que a música mais legal do Fellini e a mais representativa é “Nada”.Mas eu não consigo explicar o porque dessa escolha. Mas “Chico Buarque Song” também acho que é bem representativa, mas me parece que ela não é uma música que tem muito apelo junto as pessoas que a ouvem. É legal para cacete, mas não sei se teve um apelo que outras músicas tiveram.

P – E “Zaune”?

R – É uma música legal, mas acho que não é tão representativa assim.

P – É tua letra, umas das poucas que você fez...

R – Eu fiz duas letras na verdade...

P – Você fez “Tudo Sobre...(pausa) “Tudo Sobre Você”...me acompanhava nos meus dias de fossa.

R – O Renato Russo gostava muito dessa letra. Ele adorava essa música. Ele queria gravar duas músicas que pôr acaso as letras eram minhas. Uma delas é do Voluntários, que se chama “O Homem que eu Amo”. E essa música.

P – Vocês ajudaram muito o Legião Urbana aqui em São Paulo.

R – Eu emprestei quantas vezes minha bateria para o Marcelo Bonfá. Ele viva almoçando em casa. A gente ficava na piscina batendo papo. E eu tinha carro e levava eles, dava aquela força. O Renato Russo, além do Bonfá e do Dado, dormia na casa do Cadão , Minho K e do Alex Antues, que moravam juntos.

P – Vocês ficaram supresos com o estouro do Legião?

R – Eu fiquei supersurpreso. As pessoas que ouviam Legião Urbana achavam que o Russo cantava legal, era um letrista muito bom. Mas para ser sucesso nacional, eu não apostaria em nenhum das bandas daquela época. Muito menos nos Titãs. Quando eu vi o primeiro disco com aquela foto de capa, quando ouvi “Sonifera Ilha”, pensei que nunca iria ser sucesso e me enganei. Com o Renato Russo foi uma grande surpresa sem dúvida.

P – Você se enganou com mais alguma banda? Paralamas, por exemplo?

R – Para ser bem sincero com você, eu só gostei do primeiro single deles, “Vital e Sua Moto” e também uma faxia do disco Selvagem, que é uma letra que não é do Herbert, uma coisa sobre “entrei de gaiato no navio”...

P – “Melô do Marinheiro”...

R - São as únicas coisas. Eu respeito a postura do Herbert. Já conversei com ele, já o entrevistei. Ele também é desses caras que tem bode do Fellini. É um cara sincero, honesto. Eu admiro o irmão dele, o Hermano Vianna...Eu o livro dele “O Mistério do Samba” eu peguei em Londres para ler, mas não o fiz ainda. Foi o primeiro cara que abertamente defindia dentro da Bizz música pop, Kid Abelha, Grace Jones na Discoteca Básica...A gente sentava, conversava e ele tinha toda a razão.